Eixo temático
A prevenção das doenças, entendida como intervenções específicas, de base populacional e individual, tem por objetivo minimizar a carga de doenças e fatores de risco associados. Na saúde pública, busca-se atuar na perspectiva da prevenção das doenças, seja na prevenção primária, que visa impedir a ocorrência das doenças antes que elas se desenvolvam, na prevenção secundária, ou diagnóstico precoce da doença já instalada, e na prevenção terciária, ou na redução dos danos, visando limitação das incapacidades. Já a qualidade de vida é definida como a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e dos sistemas de valores em que vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.62 A IA oferece vários caminhos para apoiar os objetivos centrais da saúde pública, que são melhorar a qualidade de vida, promover boas condições de saúde a toda população por meio de estratégias preventivas, de proteção contra doenças, de estímulo a estilos de vida saudáveis. Os modelos preditivos de IA têm sido utilizados para estimar o risco de determinado desfecho ocorrer (doença, óbito), com base na identificação das variáveis socioeconômicas, demográficas, contexto social, ambiental, bem como hábitos de vida e condições de saúde do indivíduo. O conjunto de informações geradas por esses modelos pode maximizar a efetividade de intervenções, sejam ações preventivas ou tratamentos e reduzir custos assistenciais. Pode ainda auxiliar gestores a melhor direcionar intervenções.
No contexto das doenças crônicas não transmissíveis, as experiências pioneiras de medição de escores de risco, como o escore de risco cardiovascular de Framingham, levaram à identificação de pacientes com risco mais elevado para complicações e morte, de forma a permitir que políticas públicas fossem direcionadas àqueles com maior risco.63 Outros exemplos de estudos consistem em estimar indicadores em saúde em pequenas áreas geográficas, e assim, produzir estimativas confiáveis para subgrupos com maior vulnerabilidade. Utilizando covariáveis, como dados ambientais (radiação, ruídos, poluição, saneamento), socioeconômicas (renda, escolaridade, moradia, emprego), podem apoiar modelos de estimação de risco e assim subsidiar a formulação de políticas e programas de saúde pública 64.
Em uma revisão sistemática, Ali e colaboradores (2016) evidenciaram que as pesquisas utilizando IA como tecnologias móveis em saúde (mHealth) evoluíram de um sistema de apoio aos serviços de saúde (sistemas de suporte à decisão, por exemplo) para fins mais diversificados, incluindo cuidados preventivos, promoção da saúde, diagnóstico, tratamento e monitoramento 65. Dispositivos de telemonitoramento/vestíveis (por exemplo pressão, oxigenação, peso, ECG, alimentação, atividade física, outros), bem como interação por chat com Centro Clínico Virtual e Navegação por equipe hands-on, constituem-se em novas tecnologias, que têm sido progressivamente empregadas e podem atuar como recursos aliados para o estabelecimento de melhorias na qualidade da assistência à saúde da população, facilitando o autocuidado e a humanização da atenção 66,67. Agrega-se ainda a potencialidade de usar dados de outros tipos de sensores virtuais como redes sociais, rastreamento de localização por celular e outros, que poderiam complementar os dados do monitoramento telemétrico 68. Tecnologias de IA, associadas à computação ubíqua e Internet das Coisas permitem realizar o monitoramento contínuo e sistematizado de mais variáveis do indivíduo. Convém ressaltar que a área da saúde é uma das verticais de serviços (junto com indústria, mobilidade e outros) que definem requisitos para padronizações na área de Internet das Coisas 69 e em novas tecnologias de comunicação. Os dados coletados a partir de sensores físicos e virtuais devem ser armazenados por longos períodos de tempo, formando um mapa da vida de indivíduos e de populações, o que permitiria aplicar técnicas de IA para predição de eventos e prevenção de doenças. Nesse contexto, tem-se o grande desafio de coletar, integrar, combinar e armazenar com segurança dados de fontes heterogêneas e multimodais, com múltiplas resoluções temporais e espaciais, garantindo, acima de tudo, a privacidade dos indivíduos provedores dessas informações 70. Diversas técnicas podem ser posteriormente aplicadas sobre essas bases de dados, visando obter dados ricos em discriminabilidade para alimentar modelos de IA que poderão ser utilizados tanto para predição de desfechos do próprio paciente, como para tratamento e melhora do cuidado 71. Esses modelos permitirão melhorar a saúde do indivíduo, a adoção de práticas de autocuidado, prevenção e promoção da saúde. Ortogonalmente a todas estas etapas, é também primordial que os processos de obtenção, tratamento e preservação dos dados bem como o desenvolvimento de soluções de IA que os utilizam estejam totalmente alinhados com princípios éticos associados a transparência, privacidade, imparcialidade, responsabilidade, confiabilidade e inclusão, bem como com aspectos da legislação relacionada (por exemplo, Lei Geral de Proteção de Dados) para que os diferentes usuários possam compreender e confiar nas informações apresentadas, efetivamente se beneficiando das soluções desenvolvidas.
Pesquisadores Principais: Deborah Malta, César Victora, Philippe Navaux, Jussara Almeida
Referências:
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