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Diagnóstico, prognóstico e rastreamento

Eixo temático

O reconhecimento das doenças, em seu estágio clínico (diagnóstico) ou pré-clínico (rastreamento), é um  processo essencial para que medidas terapêuticas e preventivas sejam tomadas para se evitar complicações  ou evolução para morte, como para minorar sintomas e garantir a qualidade de vida dos pacientes.72 Tanto no  rastreamento como no diagnóstico, testes, exames ou outros procedimentos são realizados e os resultados  são valorizados ou não, considerando-se o grau de suspeita clínica (probabilidade pré-teste), a acuidade do  teste e os critérios diagnósticos de cada condição clínica. Os métodos usados para o diagnóstico e  estadiamento das doenças são frequentemente importantes para se definir o prognóstico de cada paciente,  isto é, previsão da evolução clínica, da duração e do desfecho provável da atual condição médica de um  indivíduo, essencial para que médicos e pacientes escolham o melhor tratamento a ser realizado, pesando  custos e benefícios das diferentes modalidade terapêuticas.73

Na prática clínica, o processo de diagnóstico envolve a complexa integração de informações obtidas da  história e exame físico do paciente, com exames complementares, de imagem e de laboratório, com o corpo  de informações da literatura médica (há mais de 10 mil doenças catalogadas) e a comunicação com o paciente  e sua família. Muitas vezes, tais informações são integradas em escores de diagnóstico ou de risco, utilizados  para guiar a conduta e o plano terapêutico.13 Parte da informação utilizada é obtida por análise sistemática  dos exames complementares, como radiografias e exames cardiológicos, ou de conjunto deles, em busca de  padrões que sejam típicos de uma condição específica, ou sugestivos de curso desfavorável ou resposta a  alguma medida terapêutica particular. A análise desses exames é geralmente feita por especialistas  experientes e altamente treinados, que adquirem a capacidade de reconhecer tais padrões, muitas vezes  irreconhecíveis aos outros médicos. Entretanto, tais especialistas não estão disponíveis em todas as  localidades, e têm acurácia variável e pouco reprodutível, aspectos que são limitações a que todos tenham  acesso ao diagnóstico, especialmente os pacientes que residem em locais mais remotos. A quantidade de  dados que precisa ser integrada e analisada, seja de exames tradicionais como apresentado acima, ou gerados  por novos dispositivos, como biossensores, dispositivos vestíveis e smartphones, tipicamente representa  muito mais do que qualquer especialista humano é capaz de analisar e processar. 

O diagnóstico de doenças tem sido foco da IA desde os meados do século XX, quando foram criados  sistemas de diagnóstico automatizados, baseados em regras de decisão, para diferentes aplicações, como no  diagnóstico de infecções transmitidas pelo sangue.14 Tais sistemas mostraram-se promissores para  diagnosticar e tratar doenças com precisão, mas, por não serem mais acurados e confiáveis do que o médicos,  foram adotados de forma apenas parcial na prática clínica. Desenvolvimentos recentes na área de  aprendizado de máquina permitiram que os algoritmos superassem o desempenho humano em tarefas como  na classificação de imagens 74 e no reconhecimento de voz.75 Esses avanços inspiraram grandes expectativas a  respeito do potencial dessa tecnologia em saúde76 e o diagnóstico guiado por IA tem sido uma área de pesquisa  ativa e com resultados promissores. A utilização de redes neurais profundas também tem mostrado resultados  promissores no rastreamento e prognóstico. Attia et al.77 utilizaram redes neurais convolucionais com ECG  convencional de 12 derivações para rastrear, com alta precisão (AUC 0,93), a presença de disfunção sistólica  do ventrículo esquerdo, um marcador de acometimento cardíaco que pode se beneficiar do tratamento  farmacológico precoce. O desempenho desses sistemas é frequentemente limitado pela indisponibilidade de  dados em quantidade e qualidade necessárias. O Brasil, todavia, dispõe de sistema de saúde público de acesso  universal e abrangência nacional, com grandes de bases de dados que podem ser integradas e utilizadas em  diversas aplicações de IA em saúde. Por exemplo, a Rede de Telessaúde de Minas Gerais possui uma base de  ECGs com quase 5 milhões de exames, que tem sido utilizada por pesquisadores deste Centro.9 

A inteligência artificial pode certamente ajudar a melhorar a efetividade do diagnóstico, prognóstico e  rastreamento, com maior precisão, menor custo e maior alcance, ampliando o acesso e reduzindo as  desigualdades na atenção à saúde. O primeiro desafio nesse caso é relativo ao volume, diversidade e  heterogeneidade de dados coletados em períodos relativamente longos, os quais são a entrada para modelos  que precisam ter boa acurácia e, ao mesmo tempo, gerar resultados interpretáveis para os profissionais de  saúde. Em segundo lugar, a construção e utilização desses modelos deve respeitar diretrizes de ética,  transparência, privacidade, responsabilidade, explicabilidade, segurança, confiabilidade e usabilidade, entre  outras que são pertinentes à prática médica. Em terceiro lugar, é fundamental que a metodologia de validação  não apenas verifique a acuidade das técnicas, mas capture o entendimento por parte dos seus usuários.  Finalmente, é necessário considerar questões de escala e de custo execução dessas aplicações, assim como a  disponibilidade e efetividade de dispositivos específicos não invasivos para coleta dos dados necessários.  

Para que as aplicações que respondam a todas essas questões técnicas e tragam melhorias reais na  prática médica e nos resultados de sua atividade, os usuários das mesmas, por exemplo os médicos, devem  ser capazes de usá-las efetivamente, não apenas como ferramenta auxiliar, mas como instrumento de auto aperfeiçoamento, ao mesmo tempo que contribuem para a melhoria dos modelos e respectivas aplicações. O  profissional de saúde pode se tornar cada vez mais habilidoso na tarefa de diagnóstico à medida que adquire  experiência aliada ao conhecimento, estabelecendo mais rapidamente e com maior confiança relações e  padrões específicos de doenças. O processo de integração de história clínica, sintomas, exames para o  reconhecimento de doenças pode ser grandemente favorecido por sistemas de IA, superando limitações e  desafios existentes na prática clínica. Todavia, ele não deve ter a pretensão de substituir o ser humano no  processo, mas de integrar e criar um círculo virtuoso entre humano e máquina. 

Pesquisadores Principais: Antonio Ribeiro, Marco Romano-Silva, Wagner Meira Jr., Marcos Gonçalves


Referências:

9. Ribeiro ALP, Paixão GMM, Gomes PR, Ribeiro MH, Ribeiro AH, Canazart JA, et al. Tele-electrocardiography and bigdata: The CODE (Clinical Outcomes in Digital Electrocardiography) study. J Electrocardiol [Internet]. 2019 Sep 7; Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.jelectrocard.2019.09.008

13. Topol E. Deep Medicine: How Artificial Intelligence Can Make Healthcare Human Again. Hachette UK; 2019. 400 p.

14. Davenport T, Kalakota R. The potential for artificial intelligence in healthcare. Future Healthc J. 2019 Jun;6(2):94–8.

72. Kosack CS, Page A-L, Klatser PR. A guide to aid the selection of diagnostic tests. Bull World Health Organ. 2017 Sep 1;95(9):639–45.

73. Genetics Home Reference. What is the prognosis of a genetic condition? [Internet]. Genetics Home Reference. [cited 2020 Jun 16]. Available from: https://ghr.nlm.nih.gov/primer/consult/prognosis

74. Krizhevsky A, Sutskever I, Hinton GE. ImageNet classification with deep convolutional neural networks [Internet]. Vol. 60, Communications of the ACM. 2017. p. 84–90. Available from: http://dx.doi.org/10.1145/3065386

75. Hinton G, Deng L, Yu D, Dahl G, Mohamed A-R, Jaitly N, et al. Deep Neural Networks for Acoustic Modeling in Speech Recognition: The Shared Views of Four Research Groups [Internet]. Vol. 29, IEEE Signal Processing Magazine. 2012. p. 82–97. Available from: http://dx.doi.org/10.1109/msp.2012.2205597

76. Hinton G. Deep Learning-A Technology With the Potential to Transform Health Care. JAMA. 2018 Sep 18;320(11):1101–2.

77. Attia ZI, Noseworthy PA, Lopez-Jimenez F, Asirvatham SJ, Deshmukh AJ, Gersh BJ, et al. An artificial intelligence-enabled ECG algorithm for the identification of patients with atrial fibrillation during sinus rhythm: a retrospective analysis of outcome prediction. Lancet. 2019 Sep 7;394(10201):861–7.