A aspiração final da atuação em saúde é ser verdadeiramente personalizada e centrada no paciente, onde os tratamentos são baseados em evidências, promovem resolução da questão de saúde do indivíduo e apresentam bom custo-benefício para a sociedade. É importante que os profissionais de saúde estejam cientes de que pacientes individualmente podem responder de maneira distinta aos tratamentos. O objetivo da medicina personalizada é adaptar o tratamento às características clínicas conhecidas e àquelas não completamente estabelecidas, conforme a probabilidade das interações entre o genoma e o ambiente. É necessária a compreensão da condição e circunstâncias do paciente e da patologia, e isso requer o uso de ensaios sofisticados, que geram grandes quantidades de dados, como genômica e os protocolos de imagem. Os milhares de dados que os conjuntos de pacientes criam ao longo de sua jornada não apenas ajudam a identificar mudanças em sua saúde, mas também permitem o rastreamento de padrões semelhantes de pacientes em condições, instituições e regiões geográficas similares. Eventualmente, isso permitirá a definição de medidas preditivas por meio de inteligência artificial (IA). A capacidade da IA de avançar a medicina personalizada dependerá, criticamente, não apenas do refinamento de ensaios relevantes, mas também de maneiras de armazenar, agregar, acessar e integrar os dados que eles produzem 78.
Sobre os tratamento pode-se dizer que é bem evidente que a ação de medicamentos, assim como a maioria das doenças comuns, encontra-se sob influência de uma rede de genes, proteínas, microambiente estrutural, tecidos e ambiente externo, cada um contribuindo para o fenótipo ou expressão da condição do paciente. A variabilidade com que indivíduos respondem a medicamentos é resultante de interação complexa de muitos fatores que, frequentemente, ultrapassam os modelos usados atualmente e requerem maior complexidade. A existência de polimorfismos genéticos em um grande número de enzimas responsáveis pelo metabolismo de drogas é, provavelmente, a causa das chamadas reações idiossincráticas e da resistência de alguns indivíduos a medicamentos administrados na forma de pró-droga. Espera-se que o conhecimento profundo da interação desses fatores seja uma importante fonte de descoberta para o desenvolvimento de novas drogas e avaliação dos desfechos com seu uso. Isso envolve análises extensas do efeito de drogas e vem sendo usada pelas indústrias farmacêuticas para auxiliar na pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos 79.
Os biomarcadores têm sido utilizados há décadas na seleção de tratamentos apropriados. Desde a tipagem que um paciente necessita ao precisar de uma transfusão de sangue ou de tecidos para transplantes. Outros marcadores têm sido usados para otimização da indicação de tratamentos específicos para câncer, como o trastuzumabe usado no câncer de mama em pacientes que superexpressam o receptor HER2 no tecido tumoral. O uso extensivo de marcadores é o caminho para o qual a terapia deverá ser guiada.
A população brasileira com sua natureza miscigenada, composta pelas ancestralidades africanas, nativo americanas e europeias têm o potencial de acrescentar conhecimento sobre o efeito da miscigenação nas doenças e resposta a fármacos. Uma vez que atualmente a população caucasiana é muito mais descrita e que a complexidade das misturas populacionais não tem sido aplicada ao conhecimento de saúde 80. A miscigenação acrescenta um nível de complexidade adicional, que deve ser modelado pelas soluções baseadas em IA, considerando variáveis de diferente natureza como autoclassificação racial e os componentes sociais e biológicos relacionados 81, a medida da ancestralidade genômica individual, ou incluso considerando a origem de regiões específicas do genoma que carregam variantes genéticas, as quais podem explicar parcialmente respostas biomédicas.
As soluções digitais que podem capturar o desempenho das terapias têm o potencial de dar suporte a modelos de cuidados baseados em valor (Value-Based Healthcare). Um modelo de atendimento baseado em valorizar a saúde significa recompensar os profissionais conforme a melhora do paciente. Ou seja, há um incentivo para que os médicos e hospitais trabalhem a fim de que haja recuperação real do paciente. O sistema de Value Based Healthcare é um conceito que busca inovar toda a estrutura de atendimento atual e está fortemente ancorado na individualização da medicina 82. A saúde e gestão baseadas na medicina de precisão representam um mercado mundial crescente, no qual empresas brasileiras de diagnósticos, software e gestão de dados podem se integrar. O know-how brasileiro para atuar neste mercado é principalmente desenvolvido em instituições públicas, e pode ser potencializado com colaboração com a rede privada . É essencial promover a gestão estratégica das informações por parte de diferentes stakeholders do ecossistema de inovação e saúde, como planos de saúde, hospitais e laboratórios. Assim, bancos de dados nacionais devem ser criados, integrados e geridos em benefício dos pacientes e do ecossistema de inovação brasileiro, e integrados de forma a construir a resolutividade necessária ao SUS.
Pesquisadores Principais: Marco Romano-Silva, Carisi Polanczyk, Mauro Teixeira, Walmir Caminhas, Mario Campos, Carla Freitas
Referências:
78. Schork NJ. Artificial Intelligence and Personalized Medicine. In: Von Hoff DD, Han H, editors. Precision Medicine in Cancer Therapy. Cham: Springer International Publishing; 2019. p. 265–83.
79. Roses AD, Burns DK, Chissoe S, Middleton L, St. Jean P. Keynote review: Disease-specific target selection: a critical first step down the right road. Drug Discov Today. 2005 Feb 1;10(3):177–89.
80. Sirugo G, Williams SM, Tishkoff SA. The Missing Diversity in Human Genetic Studies. Cell. 2019 May 2;177(4):1080.
81. Lima-Costa MF, Macinko J, Mambrini JV de M, Peixoto SV, Pereira AC, Tarazona-Santos E, et al. Genomic African and Native American Ancestry and Chagas Disease: The Bambui (Brazil) Epigen Cohort Study of Aging. PLoS Negl Trop Dis. 2016 May;10(5):e0004724.
82. Gray M. Value based healthcare. BMJ. 2017 Jan 27;356:j437.