A busca constante pela otimização de recursos sem impactar a qualidade de entrega dos serviços de saúde tem sido a premissa dos avanços na literatura de gestão aplicada à saúde e, também, de modelos avançados adotados em sistemas de saúde de múltiplos países 83,84. Para alcançar a excelência, a gestão de sistemas e serviços em saúde exige que gestores tenham a oportunidade de usar e analisar dados de qualidade.85 A capacidade de geração e uso de dados acurados em saúde, contribui com a tomada de decisão assertiva e ágil na gestão sistêmica de serviços e tecnologias em saúde 86. Para formulação de políticas de saúde e adoção de boas estratégias, os gestores precisam identificar, analisar e solucionar possíveis problemas, implementar ações eficazes e em tempo hábil. Existe uma demanda por eficiente alocação de recursos, melhoria da qualidade dos serviços, promovendo maior desempenho organizacional 87 e entregas com valor agregado. Para tanto, é imperativo a produção de informação e conhecimento útil para orientar a ação e apoiar os diferentes níveis de decisão, de modo permitir a utilização das informações e do conhecimento produzido nas atividades de reconhecimento, planejamento e definição de prioridades, à medida que amplia o acesso às informações e aos conhecimentos, por meio da utilização de fontes de dados secundários.
A área de gestão vem se modernizando e, a IA pode otimizar processos, reduzir custos e melhorar planejamentos. Esses recursos facilitam a seleção e o treinamento dos gestores, definindo um conjunto apropriado de habilidades e competências que, por sua vez, podem contribuir para a eficiência, efetividade e capacidade de resposta nas organizações de saúde. Inúmeros relatos de sistemas de apoio à gestão são entregues com uso de IA 86,88. Huang e Wu, em 2017,89 desenvolveram um modelo capaz de prever o número de consultas ambulatoriais em um hospital urbano e ajudar os gestores a gerenciar os hospitais de maneira mais eficaz. Através de cruzamento de base de dados é possível identificar casos de maior risco para internação ou procura a emergência e definir tempos para reconsulta mais individualizados. Através de processamento de linguagem natural de notas médicas vários algoritmos têm sido empregados para identificação de complicações e desfechos com excelente acurácia No Brasil, um estudo utilizou dados das unidades de saúde e desenvolveu um modelo para comparar opções de programa destinados a aumentar a eficiência da força de trabalho em saúde.90 Recentemente, técnicas de IA têm sido empregadas para estimar demandas de leitos para COVID, demandas de equipamentos para emprego em UTIs, respiradores e profissionais de saúde.91
Emprego da IA pode orientar as escolhas dos gestores na alocação de recursos, definição de prioridades, identificar populações vulneráveis para orientar intervenção e de investimento em saúde. Pode-se citar, por exemplo, a criação do Índice de Vulnerabilidade à Saúde (IVS), em Belo Horizonte, para subsidiar o planejamento das ações em saúde, a alocação de recursos, a implantação da Estratégia Saúde da Família, e de recursos humanos em saúde. O IVS, criado com informações do censo para cada setor censitário, inclui os seguintes componentes: (1) condições de saneamento (esgotamento, abastecimento de água e destino do lixo), (2) habitação, (3) escolaridade, (4) renda, e é agregado em 4 estratos de riscos: baixo, médio, elevado e muito elevado (Braga, 2010). Estes indicadores e outros índices poderão ser automatizados para todos os municípios brasileiros e apoiar a gestão, definição de prioridades em saúde, alocação de recursos, dentre outros. O desenvolvimento de modelos preditivos que permitam gerar informações acerca das maiores e menores chances de hospitalização de pacientes auxilia hospitais e operadoras a melhor dimensionar capacidade e remuneração. Todavia, o êxito dessas soluções, demanda que bases de dados possam ser integradas 92,93 de modo que seja possível uma maior rastreabilidade dos estados e histórico de saúde de pacientes. Acesso aos dados de comorbidades e desfechos de pacientes contribui para que o sistema seja melhor dimensionado sob a perspectiva econômica e financeira.94 Para que políticas de remuneração se aproximem de modelos que remuneram por valor, é premissa a capacidade de monitoramento preciso da forma de entrega dos serviços de saúde considerando as condições clínicas individuais de cada paciente 95. Nesse sentido, o uso de algoritmos de processamento de linguagem natural tem sido observado como solução para a automatização de classificação de dados textuais 96 de registros clínicos de pacientes 97.
Todas estas soluções, quando em operação, também permitem para que a gestão de fluxo de pacientes seja mais facilmente dimensionada. Soluções que colaborem para que o paciente certo, chegue na hora certa ao local correto contribuem com a premissa inicial da gestão de serviços de saúde de entregar os melhores resultados de saúde sem aumentar exponencialmente os custos. O Brasil investe aproximadamente 8% do PIB do sistema de saúde, sendo 4% dessa parcela no SUS no qual estão sujeitos 75% da população. O dimensionamento adequado e a forma de distribuição desses recursos precisa ser o mais eficiente possível a fim de que uma maior parcela da população consiga acessar de forma adequada, e em condições de alcançar melhores desfechos, o sistema de saúde. Por isso, a agilidade de gestão de fluxos tem grande responsabilidade em contribuir com que os pacientes sejam priorizados considerando suas especificidades e pode ser construída apoiada em modelos de IA quando as bases de dados começam a ser integradas e comorbidades e desfechos monitorados 98.
Por fim, dada a sensibilidade e os impactos que decisões de gestores tem nos respectivos Sistemas de Saúde, é imprescindível que questões relativas à ética, transparência, privacidade, responsabilidade, explicabilidade e confiabilidade sejam consideradas quando se fala da tomada de decisão baseada em dados e algoritmos de IA 88. O gestor precisa confiar nos dados e nas sugestões/análises do sistema para se sentir confortável em subsidiar suas decisões em sugestões automáticas. É necessário entender a lógica por trás da sugestão/análise algorítmica, que precisa ser auto-explicável, pois em último caso, o gestor poderá/deverá ser cobrado em suas decisões ao aceitar (ou não) essas sugestões/análises algorítmicas, sob o ponto de vista ético, legal, da responsabilidade, da transparência e, em último caso, da auditabilidade e da governança.
Pesquisadores Principais: Carisi Polanczyk, Antonio Ribeiro, Altigran Silva, Marcos Gonçalves
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